Por: Robério Santos, 28 de agosto de 2021
DRT/MTB 1539/SE
Jornalista
Hoje, estou sentado aos pés do que restou da majestosa Serra de Itabaiana no
local em que um dia foi chamado de Parque dos Falcões. Estou escrevendo essas
memórias de tudo que aconteceu e espero que eu consiga enviá-las a mim mesmo no
passado para que, quem sabe, haja ainda esperança nisso tudo para que meu filho Ícaro
e tantos outros filhos possam saborear tudo que deveria ter sido verdadeiro. Hoje estou
com meus quarenta e poucos anos de estrada e já via há dez anos esta catástrofe. A
ajuda milionária às festas e ao descaso público desnecessário continuaram crescendo e
os trocados para fortalecer uma cultura que brotava em cada esquina de nossa Itabaiana
foram ficando mais escassos.
Grupos folclóricos foram dando espaço a grupos armados e festas culturais
dando espaço às festas violentas e recheadas à droga, que fez de Itabaiana uma das
cidades mais violentas de nossa pátria. O medo se instaurou a partir de 2011 e a
população começou a migrar de Itabaiana, partindo para a capital. As mentes pensantes,
cativantes e rebeldes saíram para novos ares, novos países, novas pátrias a quem
pudesse amar e serem amados. Eu resisti até 2019, eu não queria ouvir no rádio nem
assistir na TV que toda esperança havia sido perdida. Não, não... eu queria estar perto
no olho do furacão e sentir o cheiro da destruição.
Nosso açude da Marcela secou. Até pensaram em limpá-lo, mas o mau cheiro
incomodou tanto que colocaram dinamite em seu paredão e escoaram todo o lodo em
2012. Em 2013 construíram um grande cine-teatro em Itabaiana. Um projeto
arquitetônico que foi proclamado “Obra Prima da Arquitetura Moderna” e que algumas
apresentações foram feitas e por má organização fecharam-no em 2015. Causa mortis:
falta de público e vandalismo com a estrutura.
A cidade cada vez mais ficando rica e cada vez mais ignorante. Alunos da
universidade pública da cidade ainda continuaram se dividindo politicamente e isso
causou um desconforto enorme, pois o grupo estudantil bem que deveria ser a terceira
tão falada via política de Itabaiana. Mas, não, isso não foi possível e em 2015 a
esperança foi corrompida com a saída dos recém chegados professores de ideais
modernos. Foram expulsos por “não serem daqui e as ideias não condizem com nossa
realidade”. Naquele instante negro parecia que tudo havia sido perdido. Mas no ano
seguinte um desses forasteiros havia ficado e resistido. Não quero citar nomes para não
atrapalhar o passado e modificar meu presente antecipadamente (podem matá-lo antes
de ir ao poder), mas um jovem de classe média alta e de família sulista teve a audácia de
se candidatar a prefeito de Itabaiana nas eleições de 2016. Sem apoio nem dinheiro ele
foi em busca dos indecisos e da juventude não envenenada, que por fim formaram uma
corrente e perceberam que os pobres formavam um caldo mais grosso que os ricos e
por 845 votos de diferença positivista, este jovem de 19 anos se tornara o prefeito mais
jovem da história do país, desbancando em idade Caio Vellasco de Castro Curado
(PMDB). Eleito em Faina (GO) nas eleições de 2008 com apenas 20 anos.
Uma luz no final da caverna da Serra de Itabaiana havia sido acesa. Uma parte
da população indignada, cheia de nada, alienada, perturbada e fechada deu margem a
outra parcela, largada, reativada, reformada e premiada. O jovem prefeito não sabia
ainda do destino que tinha nas mãos. Seu primeiro ato foi mudar totalmente o grupo que
tomava conta de órgãos público. Um parmo de chão (sic). Mandou reabrir o cine-teatro
e trouxe o grupo Imbuaça para se apresentar na reinauguração e apresentar uma nova
peça “Itabaiana de pequena à Grande”, lotou o teatro. Dois parmos (sic). Reavaliou a
possibilidade da criação do novo Distrito Industrial de Itabaiana para abastecer com
mais de mil empregos diretos para a população. Três parmos (sic). Mandou fechar o
paredão do açude para reenchê-lo e em parceria com o Estado construiu uma pequena
orla, pista de corrida ao redor do açude, arborizou, construiu bares, conjunto
habitacional nas proximidades do Lago Marcela e um Hotel . Quatro parmos (sic).
Construiu torres para transmitir internet banda larga gratuita para os lares, em parceria
com o provedor de internet local, aproveitando também as antenas existentes. Cinco
parmos (sic). Reativou o Turismo Ecológico em 2017, criando rotas turísticas e
movimentando mais de 2 milhões de Reais no primeiro ano e mais de cinco no segundo.
Seis parmos (sic). Por fim veio a feira livre que há 35 anos não havia crescido. Ele
juntou os comerciantes e aos moldes de Propriá criou uma base estrutural de feira fixa e
móvel e ampliou em mais um dia a feira e construiu um novo mercadão de verduras
para embarque e desembarque de mercadorias, fora dos limites da cidade, fazendo o
centro comercial respirar um pouco em 2018. Sete parmos (sic). Em dois anos ele fez
(por não dever o pescoço a seu ninguém) mais que qualquer outro prefeito havia feito
em nossa cidade. Apoiou o governo de então e em meio aos bate-papos dos
governantes, por volta do meio dia de um quente setembro 20, nosso prefeito é atingido
por dois tiros no pescoço e morre aos pés de seus eleitores. Nunca se descobriu quem
fez isso. Seu vice, notoriamente corrompido pelo dinheiro, assumiu o poder e desfez
praticamente tudo que seu ex aliado havia conquistado. Crescer não dava voto
manobrável, então a cidade voltou ao caos e agora numa depressão mais violenta que
antes.
O Parque dos Falcões foi fechado por ordem pública para evitar o cativeiro das
aves e a liberdade dos ladrões no poder (paradoxal, não?). A Serra de Itabaiana foi
liberada para a extração de ouro e prata e então virou uma nova Serra Pelada e acabando
com o que restava de nossas belezas. O ano era 2019 e não havia mais esperanças e o
povo estava sem fé. Eu fui embora em meados de 2019 e busquei exílio psico-cultural
no município de Vigo na província de Pontevedra, comunidade autónoma da Galiza na
Espanha. Não queria sentir mais a terra que tanto amo na mão de tanta gente
despreparada. Sempre existiu isso, mas eu nunca havia visto com olhos de criança. As
cidades vizinhas cresceram, ganharam fábricas, esperança, cultura, cinemas, teatros,
shoppings e de pequenas cidades passaram a atrair turistas para comprar uma renda e
um artesanato ou bater papo com as pessoas inteligentes das localidades. De Itabaiana
sobrou apenas um nome no registro de nascimento “Nascido a 20 de fevereiro de 1981
na cidade de Itabaiana” de mim e de tantos outros que vieram ao mundo por este lugar,
aprenderam a amar e hoje se sentem traídos e longe dessa miséria.
A festa de aniversário daqui não existe mais, nem sequer a população se lembra
dessa linda comemoração onde se mostrava suas hortaliças, nossa cultura e a alegria do
povo. Hoje, 28 de agosto é seu aniversário, Velha Lôba e que a memória dos que já se
foram e dos que irão em breve seja preservada nesse mundo, e que isso sirva de base
para a construção de uma sociedade liberal e menos presa e que favoreça realmente
quem merece. Mas, de que se importa, se os netos dos grandes políticos e empresários
não vão estudar na UFS e sim em Harvard , não vão ao teatro de Itabaiana sim ao Teatro
Amazonas, não vão ao açude e sim vão a Sauipe passar um bom final de semana. Já
dizia um amigo meu “O gato só acaricia o local onde vai deitar” e isso é a pura verdade.
Parabéns Itabaiana, estou de volta, mas não sei se fico.
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